the Oscars

Desde que os indicados ao Oscar saíram no último dia 15, não se fala em outra coisa nas redes sociais e na blogosfera em geral sobre a carência de diversidade entre os indicados -para além da ausência de David Fincher e Gone Girl. Eu ainda não consegui ver todos os oito filmes que concorrem a Best Picture (faltam Selma e American Sniper) pra ter uma opinião formada sobre, mas o que eu mais venho observando nessa discussão é que existe uma tendência em levar o assunto pra um lado politizado, desmerecendo a conjuntura cinematográfica que (mesmo em minoria) está lá por mérito próprio, tipo, The Grand Budapest Hotel.

Não pretendo e nem tenho argumentos pra defender ou não a validade dos indicados de uma premiação como o Oscar, até porque a campanha que elege os “melhores filmes do ano” pelo prêmio é das mais absurdas e complexas possíveis (pensar o Unbroken da Angelina Jolie ganhando um corte especialmente pra temporada de prêmios e as pilhas de dinheiro que a Jennifer Aniston gastou pra vender sua performance em Cake já diz muito sobre como esse apelo funciona). Então, pra ser mais direto (mentira, é pela falta de tempo mesmo), prefiro voltar esse texto pr’os filmes indicados que eu andei vendo nas últimas semanas, e que ainda não tive a oportunidade de avaliar.

Wild (dir. Jean-Marc Vallée) ***

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Wild já seria um projeto bem mais interessante que qualquer descaracterização física do Matthew McConaughey porque temos aqui Reese Whiterspoon não apenas em seu melhor momento dramático, mas completamente entregue a uma personagem que se despe de qualquer artimanha de um discurso feminista politizado por simplesmente encontrar na força de sua trajetória superação pra qualquer obstáculo de opressão. (Plus: ainda tem a Laura Dern fazendo o que ela faz melhor=ser maravilhosa.)

Unbroken (dir. Angelina Jolie) **¹/²

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Eu particularmente não acho In The Land of Blood and Honey um filme ruim. Tem seus tropeços, como qualquer estreia ambiciosa, mas me é genuína a doação da Angelina Jolie pro material que ela retrata. Unbroken surge numa mesma perspectiva, embora a edição conflituosa feita pela Universal tenha preferido explorar o teor comercial da história. Por vezes um filme de uma diretora que sabe exatamente aonde quer chegar com a imagem, por outras de uma diretora que parece mais deslumbrada que propriamente concentrada naquilo que está fazendo, o resultado aqui não deixa de ser um reflexo da extensão da Angelina Jolie atriz/mãe de seis filhos/humanitária e símbolo feminino.

The Imitation Game (dir. Morten Tyldum) **

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Quando vi Headhunters em meados de 2012 logo pensei no Morten Tyldum como uma versão alternativa do Steven Soderbergh, porque tanto Tyldum quanto Soderbergh sabem exatamente como utilizar a estética a favor do story telling, e também por existir uma certa irreverência na forma como ambos brincam com essa ideia. Agora vendo aquele diretor promissor se desdobrar num projeto quadradinho dos Weistein sobre um cientista gay que decifra os códigos de guerra de Hitler me faz ficar na expectativa de que seu próximo projeto seja algo minimamente genial como um Ocean’s Eleven.

The Theory of Everything (dir. James Marsh) *¹/²

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É praticamente uma versão piorada d’A Culpa é das Estrelas, só que com o aval de uma award season.

Birdman or (the Unexpected Virtue of Ignorance) (dir. Alejandro Gonzáles Iñárritu) *

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Eu não consigo levar a sério alguém que tem a pretensão de se achar melhor que uma canção do R. Kelly, mas esse filme já seria ruim o suficiente porque é Iñárritu fazendo o que ele sabe fazer “de melhor”, ou seja, manjar um filme todo sobre as dimensões megalomaníacas de uma indústria e sua consequente grandiloquência e ao mesmo tempo exaltar esse processo todo como uma criança mimada que acabou de descobrir um brinquedo novo.

Foxcatcher (dir. Bennett Miller) ***

24Qualquer filme do Bennett Miller merece ser visto porque mesmo quando ele tropeça na própria ideia, ele ainda sabe exatamente o que tá fazendo. Foxcatcher pode não ser o thriller psicológico que almeja, ou mesmo o filme anticlimático que pretende por suas mais de duas horas de duração, mas é ainda um puta exercício de como cada peça encaixada em seu devido lugar (e Channing Tatum assumindo sua posição de hard working guy revela muito sobre essa visão do Miller pra essência do filme) é bem mais interessante que qualquer tentativa de manipular uma audiência com truques baratos.

50 melhores filmes de 2014

Sei que tô um pouco atrasado e que já estamos quase na metade de Janeiro, mas é que muita coisa que eu não consegui ver no cinema (Debi & Lóide, O Grande Hotel Budapeste, Bem-vindo a Nova York -pra citar os que eu mais aguardava), eu acabei adiando pras últimas semanas do ano, quando eu fico sem nada pra fazer e com muito tempo pra matar. O ano foi bastante interessante num geral (mesmo que muita gente tenha achado diferente, como já tinha dito no post dos discos), mas consegui com louvor fechar uma lista de 50 filmes que eu realmente curti.

Esse ano mudei um pouco o critério da seleção, porque no ano passado eu acabei colocando vários filmes que foram distribuídos comercialmente/em home vídeo/via canal fechado no Brasil só em 2014 (p. ex. O Ato de Matar). Então pra ser um pouco mais democrático, eu tentei deixar na lista os filmes que seguem essa lógica (doeu muito ter que deixar Branco Sai, Preto Fica, do Adirley Queirós, de fora, a propósito).

Infelizmente eu não consegui fazer um comentário pra cada filme, mas fica a ressalva que todos que estão aqui de alguma forma dizem muito sobre como eu aprendi a pensar/experimentar o Cinema ao longo desses anos como amante assíduo da sétima arte, mas prometo tentar explicar melhor ao longo de 2015 como minhas referências e influências tem difundido minha maneira de pensar a escrita e minha forma de receber um filme positiva ou negativamente.

Pra começar, eu selecionei 10 filmes + menções honrosas de outras épocas que vi pela primeira vez em 2014:

1. A Infância Nua, Maurice Pialat

2. Amarga Esperança, Nicholas Ray

3. Um Corpo Que Cai, Alfred Hitchcock

4. Tudo Que o Céu Permite, Douglas Sirk

5. Os Maridos, John Cassavettes

6. Crepúsculo dos Deuses, Billy Wilder

7. O Céu de Suely, Karim Aïnouz

8. Zero de Conduta, Jean Vigo

9. Instinto Selvagem, Paul Verhoeven

10. Entre Dois Fogos, Anthony Mann

Menção Honrosa:

A Última Noite, Spike Lee

As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, R.W. Fassbinder

Contra Corrente, David Gordon Green

Femme Fatale, Brian De Palma

2001: Uma Odisseia no Espaço, Stanley Kubrick

Um Lugar ao Sol, George Stevens

Morte em Veneza, Luchino Visconti

A Moça com a Valise, Valerio Zurlini

Era Noite em Roma, Roberto Rossellini

Gigi, Vincent Minnelli

O Mar é Nosso Túmulo, Robert Wise

Veludo Azul, David Lynch

Aurora, F.W. Murnau

Meu Nome é Ninguém, Tonino Valerii

Sargento York, Howard Hawks

Os Eternos Desconhecidos, Mario Monicelli

Terra em Transe, Glauber Rocha

Antes do Pôr-do-Sol, Richard Linklater

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Whiplash (Damien Chazelle)

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Quando vi Toque de Mestre do Eugenio Mira ano passado, não tinha ligado o roteirista do filme ao realizador de Whiplash (filme que já vinha ganhando um certo hype pra award season por um tempo), até porque o filme do Mira me chamara muito mais a atenção pela estética semelhante a de um discípulo do Brian De Palma do que pelo roteiro em si (que aliás, é realmente ótimo). Quando vi Whiplash no início da semana tive a impressão de que o filme se tratava de uma versão jazzista pro thriller do Aronofsky, Cisne Negro. No entanto, fiquei martelando na minha cabeça sobre a obviedade de interpretar o filme como uma “homenagem” ao jazz e ao mito de Charlie Parker, qual na verdade não passa de uma espécie de espectro fantasmagórico usado como subtexto pra construção psicológica da narrativa e do personagem do J.K. Simmons (e ele mentir sobre como Charlie Parker se tornou uma lenda diz muito sobre como Chazelle pensa o próprio filme).

Revendo-o mais cedo eu pude notar o quanto estava equivocado na minha leitura. Whiplash, na revisão, me soou bem mais como um deboche de si mesmo do que qualquer outra coisa. Primeiro porque o personagem do J.K. Simmons jamais quer ser como o Vincent Cassel (e não é só porque não existe nenhuma conotação erótica aqui), e segundo porque ele tem total domínio da persona que ele representa e de que seu discurso terrorista não passa de um jogo subversivo pra desconstruir o self esteem do protagonista interpretado pelo Miles Teller (em seu melhor momento, aliás).

Dito isso, ver como Chazelle constrói toda a ideia de que Whiplash se trata de um filme de terror pra depois introduzir uma reflexão moral na forma de estudo de personagem (algo que o deixa semelhante com A Rede Social do David Fincher), quando Teller resolve denunciar seu “ídolo” por comportamento inadequado, fica explícito como Chazelle trata seu filme como uma grande ironia. E não bastasse ele desconstruir completamente o ideal de perfeição levando seu protagonista a cair na mesma mentira sobre o mitologia de Charlie Parker por uma segunda vez, já lá pro final do filme, quando o personagem do J.K. Simmons diz algo como “people wonder why jazz is dying” e sucede seu jogo de percepção dizendo “there are no two words in the english language more harmfull than good job” e “the truth is that i never really had a Charlie Parker”, ele orquestra um grande espetáculo de virtuosismo estético numa sequência final de 10 minutos (!) na qual o protagonista aceita seu fracasso na busca pela perfeição e improvisa um épico solo de jazz como Charlie Parker o faria.

50 melhores discos de 2014

Eu tinha preparado um baita texto pra falar sobre como 2014 foi um ano interessante pra mim e porque eu decidi deixar o blogspot de lado e migrei pro wordpress, mas acabei não salvando o texto e perdendo ele da maneira mais pífia possível (aquela coisa que todo mundo passa pelo menos uma vez por dia com internet wifi). Mas enfim, mesmo o consenso de que 2014 tenha sido estranho, penso eu que não poderia ter tido um ano mais prolífico musical e cinematograficamente falando.

Preparando essa lista (e prometo desde já que esse ano vou me esforçar pra escrever sobre cada disco que integrará o corte final no fim do ano), eu descobri que essa compilação diz muito sobre como o exercício de descobrir um artista novo ou ouvir um clássico se tornou uma parte importante da minha formação como indivíduo. Foram cerca de 300 discos ouvidos e revisados ao longo do ano, e mesmo que o significado de alguns tenha passado batido por mim (até porque isso as vezes é inevitável, já que -penso eu- a música tá muito ligada a um sentimento de momento), eu tentei extrair ao máximo o que cada disco poderia me oferecer quanto experiência de descoberta (ouvir as discografias do D’Angelo e do Aphex Twin, além de assistir Era Uma Vez em Nova York do James Gray, por exemplo, foram o ponto mais alto do ano pra mim).

Então, sem muita conversa fiada, começo a lista com as menções honrosas pra alguns ep’s/mixtapes:

Hell Can Wait, Vince Stanples

Strange Journey Volume III, CunninLynguists

Michigan Dream, Todd Osborn

Faces, Mac Miller

TRAP (Trabalho, Respeito, Atitude e Poder), MC Zidane

Fvck & Love, Marsha Ambrosius

Coolest, Slugabed

No More, Shlohmo & Jeremih

Isaiah Rashad, Cilvia Demo

Rich Nigga Timeline, Migos

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Bird (Clint Eastwood)

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“I haven’t worked with a lot of big-name directors, but I came up during an era when they were all beginning to retire: I never worked with Hitchcock or Wyler or Stevens or Capra or Hawks or Walsh. I missed all that.

I suppose the most expensive director I’ve worked with is Don Siegel. I think I learned more about directing from him than from anybody else. He taught me to put myself on the line. He shoots lean, and he shoots what he wants. He knew when he had it, and he didn’t need to cover his ass with a dozen different angles.

I learned that you have to trust your instincts. There’s a moment when an actor has it, and he knows it. Behind the camera you can feel that moment even more clearly. And once you’ve got it, once you feel it, you can’t second-guess yourself. If I would go around and ask everyone on the set how it looked, eventually someone would say, ‘Well, gee, I don’t know, there was a fly 600 feet back.’ Somebody’s always going to find a flaw, and pretty soon that flaw gets magnified and you’re all back to another take. Meanwhile, everyone’s forgotten that there’s a certain focus on things, and no one’s going to see that fly, because you’re using a 100mm lens. But that’s what you can do. You can talk yourself in or out of anything. You can find a million reasons why something didn’t work. But if it feels right, and it looks right, it works. […]”

Começar um novo ano assistindo algum filme do Eastwood se tornou tão simbólico quanto rever os filmes que fizeram parte da minha formação cinéfila ao longo dos últimos, hmmm, 7 anos. Mas me flagrar descobrindo o mito de Charlie Parker através do olhar irretocavelmente sóbrio e sereno do Clint foi talvez uma das experiências mais  bonitas que eu tive com o Cinema até hoje. Não só porque Eastwood se tornou nesse meio tempo meu diretor favorito (e minha maior referência quanto ao jazz), mas ver como ele transfigura o tempo do filme à sua maneira, quase como se cada passagem da vida de Bird fosse um momento único, que merece ser desvendado não pela linearidade do tempo, do sucesso e da morte precoce de um gênio, mas pelo que cada ação do personagem significa na construção da sua mitologia, é perceber que, acima de qualquer pressuposto sobre como o Cinema poderia imergir na imagem e no legado deixado por Bird, Eastwood procurasse sempre permanecer fiel àquilo que só quem enxerga além da imagem (e do tempo) pode desvendar. E o mais incrível nesse processo todo é perceber que Eastwood nunca subestima o tempo. É como se cada plano, cada feixe de luz, cada sentença dita por Bird, cada gesto da interpretação de Forest Whitaker e cada fragmento sonoro fosse milimetricamente pensado para construir a noção de dominação do tempo e da imagem cinematográfica, já que Eastwood, mais do que ninguém, tem consciência de que esse princípio da realidade é um esforço meramente instintivo.